Friday, July 31, 2009

You Are (Not) Alone - Part II

A noite caía enquanto Clarice viajava em suas idéias revolucionariamente domésticas. Ela tinha agora que decidir não só o seu futuro, mas o do filho também. Tanta coisa passava por sua cabeça... Ela não gostava nem um pouco de ficar confusa, era uma mulher muito prática e decidida, mas aquela carta estava traçando um novo caminho em sua vida. Tantas perguntas lhe surgiam, e poucas respostas, escassas soluções, atitudes radicais.
Decidiu escutar seu coração que batia descompassado por duas razões distintas: a traição de Vito, completamente inesperada, e aquela tarde consolada por Miguel.
Como alguém poderia ter vindo do nada e despertar um sentimento louco, repentino e doce como aquele em tão pouco tempo ?
- Vito nunca me fez sentir assim... sempre senti muita calma com ele... O que está havendo comigo, Deus ? Por que ele não sai da minha cabeça ?
Clarice andava em seu quarto, de um lado para o outro, com a mão na cintura e a outra em seus cabelos. O que fazer ? Procurar Miguel e se certificar de que aquele novo e indefinido sentimento era genuíno ? Ligar para Vito e terminar seu casamento ali, numa ligação fria e interurbana ? Fugir com filho sem deixar rastros ?
Ela pegou o filho no quarto, foi descendo as escadas com ele em seus braços e foi para a sala de estar. Ali, ficou olhando para ele e imaginando o que iria acontecer.
- Vitinho... será que vamos ser felizes ?, ela perguntava ao menino. Ele apenas a olhava curioso enquanto se mexia, brincando com seu mordedor.
Clarice resolveu ir se deitar e relaxar. Subiu novamente as escadas, colocou o filho no berço e foi para seu quarto. Foi tirando sua roupa enquanto pegava sua camisola de seda no armário. A colocou, foi ao banheiro e olhou-se no espelho. Viu seus verdes olhos repletos de dúvida e angústia, mas naquele momento teve um rompante de loucura. Seu coração parecia querer sair do peito, e ela decidiu seguí-lo até o fim.
Passou mais um pouco de seu doce perfume e foi andando, descalça, em direção à cozinha. Chegou até a porta que dava para os fundos da casa e hesitou por um momento. Respirou fundo e andou mais alguns passos. Levantou a mão em um punho cerrado e deu três batidas na porta do quarto de Miguel. Ficou com os olhos fechados, imaginando que ele já estivesse dormindo, mas a porta abriu-se rapidamente, assim como seus olhos, que novamente fitaram os do mordomo.
- Você.. achei que estivesse dormindo..., disse ela com uma suave e melodiosa voz.
- Não... eu não consegui.
- Hm.. é.. você.. não precisava ter pedido desculpas...- disse Clarice, pegando a mão de Miguel e colocando em seu peito - Sente ? Foi a mesma coisa que senti quando você fez isso com a minha mão.
Miguel sorriu e pegou as mãos de Clarice. Os dois estavam parados, se olhando. Foi quando num ímpeto só, ele a puxou e lhe deu um profundo beijo. Ela então o abraçou forte e retribuiu o gesto. Ele fechou a porta do quarto e ali, ela compatilhou do amor mais puro e do corpo mais quente que já havia ficado sobre o seu. Os beijos eram apaixonados, no ritmo certo de ambos os corpos, que certificando e validando o início de uma história, se uniam na luxúria romântica de um novo amor.
Aquilo se repetiu por boa parte da noite, até que os dois exaustos, dormiram juntos, um de frente para o outro.
A manhã chegou ensolarada e trazendo consigo o choro do pequeno Vito. Clarice sorriu enquanto acordava, mas sem abrir os olhos. Quando os fez, viu Miguel, acariciou seu rosto, seus cabelos, deu -lhe um beijo e foi se levantando. Saiu da cama nua, foi até a cadeira onde estava sua camisola e colocou-a, deixando que ela deslizasse sobre sua pele. Miguel a viu de pé e se levantou também. A abraçou por trás e num gesto terno, afastou os cabelos dela da nuca e deu um beijo.
- Bom dia...
- Bom dia..., disse Clarice sorrindo enquanto suspirava - Preciso ir ver o bebê, acho que ele já acordou.
- Tudo bem. Eu vou até a cozinha ver se o café está pronto.
- Ok.
E Clarice deu-lhe outro beijo, tão devotado como todos os outros desde o primeiro.
Ela saiu do quarto dele, entrou na casa e foi correndo até o quarto de Vito onde ele chorava. O coração dela só não parou naquele momento pois precisou agir com rapidez.
Ela viu o bebê do lado de fora do berço, no chão, gritando o mais alto que seus pulmões conseguiam, com um corte na cabeça e o rosto ensanguentado.
- VITO ! - Clarice gritou - Meu Deus ! O que houve com você, meu filho ?!
Ela então pegou-o no colo e gritou pela governanta, que veio de pronto ao quarto.
- Sim, senhora ?
- Grazia, limpe ele enquanto eu troco de roupa e chamo Miguel para irmos ao hospital, sim ?!
- Claro, senhora, claro.
E a governanta foi correndo até o banheiro onde limpou, com todo o cuidado o bebê que ainda chorava a plenos pulmões.
Clarice se aprontou em pouco tempo e foi então chamar Miguel. Desceu as escadas correndo, com o salto de seu sapato fazendo barulho. Abriu a porta do quarto de Miguel e, esbaforida disse:
- Miguel, rápido ! Temos que levar Vito ao hospital !
Ele estava com uma camisa branca bem engomada, com manga comprida e botões de madrepérola. Ele trocou a calça e pegou uma, junto a um paletó preto, com risca de giz. Pegou seu chapéu, também preto, e um grande casaco branco. Acompanhou Clarice na corrida até o bebê, não deixou que ela o pegasse nos braços e foi levando-o até o carro, acompanhado por ela logo atrás.
Eles entraram no carro e ele deu Vito para Clarice segurar. Saiu cantando os pneus e chegou ao hospital em menos de 10 minutos. Saiu do carro, abriu a porta para ela e foi acompanhando-a.
Chegando ao balcão do hospital, Clarice disse:
- Por favor, precisamos de um médico rápido ! Meu filho caiu do berço e se machucou, pelo amor de Deus, me arrume um médico !
A enfermeira vendo o bebê inquieto, foi correndo chamar alguém para atendê-los, enquanto outra veio e disse com desânimo e desdém:
- A senhora precisa fazer a ficha dele aqui.
Clarice lançou um olhar furioso à enfermeira, e antes que ela pudesse ter pronunciado qualquer palavra de baixo calão, Miguel tomou as rédeas da situação e sério disse:
- A ficha será feita depois que ele foi atendido.
- Acho que o senhor não entendeu... - e a enfermeira olhou com desprezo - ela vai ser feita agora.
Miguel a olhou fundo nos olhos, com os seus ardendo em ódio profundo, levantando a voz em um tom austero:
- A senhora é que não entendeu... ele é meu filho e vai ser atendido agora ! Dane-se essa ficha maldita ! Ela vai ser preenchida DEPOIS !
A enfermeira não sabia onde enfiar-se. Balbuciou qualquer coisa e saiu do balcão. Clarice não conseguia nem piscar, ficou estupefata com o que acabara de ver. Naquele momento de admiração, orgulho e desespero, o médico veio correndo.
- Me desculpem ! Acabei de sair de uma cirurgia... vamos indo à sala, por favor - disse ele apontando com a mão e andando até lá.
Clarice continuava a limpar o rosto de seu filho, que se manchava de sangue pelo corte aberto em sua pequena e delicada testa. Miguel olhava o bebê como se realmente fosse pai dele, afinal... desde o nascimento de Vito, seu pai não mais ficava em casa, mas sim tratando dos negócios da família. Logo, Miguel era quem ficava com o bebê e com Clarice.
Os três entraram na sala e o médico tomou Vito dos braços da mãe. O colocou na maca e foi limpando o bebê com gaze e álcool para esterilizar o ferimento. A enfermeira que os havia atendido na chegada veio correndo com os instrumentos necessários. Ficou ao lado do médico, auxiliando-o. Ele deu três pontos na testa do bebê enquanto Clarice apertava a mão de Miguel, nervosa.
- Pronto, mãe... agora está tudo bem, tudo sobre controle ! - disse o médico pegando o menino.
E ele chorava. Em menor intensidade, mas chorava.
- Obrigada Doutor... muito obrigada ! - disse ela enquanto tomava o filho em seus braços.
Miguel fez um afago na cabeça dele e agradeceu ao médico também. Eles então foram novamente até o balcão e preencheram a bendita ficha. Ao terminarem, Clarice e Miguel se olharam, um sorriu para o outro. Ele colocou seu braço por cima do ombro dela e assim eles foram andando até o carro para voltarem para casa.

Sunday, July 26, 2009

You Are (Not) Alone - Part I

Clarice e Vito tinham uma vida pacata com o bebê. O pequeno trazia alegria, vida, luz àquela casa de carpete e cortinas escuras, embora seu pai se afastasse cada vez mais. Os negócios o chamavam.
Apesar da insatisfação de Clarice, tudo parecia correr normal e naturalmente, enquanto do outro lado do bairro, na casa de Michael, o mundo começava a desmoronar na cabeça dele e de Sofia. Mas as fagulhas do fogo mafioso no qual a família Corleone adentrava sem se queimar ou chamuscar, estavam prestes a chegar à casa de Vito.
Mãe e filho ficam juntos no jardim por tardes a fio, e a cada dia, Clarice encanta-se mais e mais com a leve e suave evolução daquele serzinho.
Em uma dessas tardes, o bebê dormia tranquilo no berço e Vito estava com Michael, na casa deste último. Resolviam pendências do último entrave entre os Corleone e os Benneto, resultando na morte de Giacomo, o primogênito de Giuseppe Benneto, chefe da família inimiga.
Clarice estava no jardim, sentada em uma cadeira de madeira, ao lado de uma mesa com uma taça de vinho e um cinzeiro. Seu cigarro queimava com o passar dos segundos, até que ela ouviu a campainha tocar. Se levantou e, atravessando uma sala, chegou à porta da casa. Era o carteiro, ele trazia um envelope para Vito. O remetente era uma mulher, os dados na carta tinham uma bela caligrafia e o nome Madalena.
- Madalena ?, pensou Clarice.
Ela levou a mão ao queixo e sentiu um cheiro de perfume vindo de seus dedos. Não se lembrava de ter passado perfume a não ser de manhã. Cheirou a mão direita, a esquerda e finalmente decidiu farejar o envelope. E era dali que o cheiro de perfume vinha. Seus olhos cerraram-se levemente numa raiva crescente. Clarice então, foi até o escritório, pegou o abridor de cartas e arrebentou o envelope, sedenta por saber o que continha naquilo.
- Por que alguém colocaria perfume num envelope ? Numa carta ?!, tentava entender.
O cheiro ficou mais forte quando ela pegou o papel de carta, fino, com a mesma caligrafia do envelope. Ela então, foi abrindo devagar, poupando-se de destruir aquilo sem ler.
Abriu a carta delicadamente enquanto se sentava na confortável cadeira de couro do escritório. A cada palavra passada, menor a credulidade. Não era possível. Clarice não podia acreditar. Ela não podia crer em nada, e nem conseguia. Sua vida com Vito passou frente aos seus olhos marejados.
Com a necessidade de mais cuidados por conta do bebê, Vito havia contratado mais empregados. Um mordomo, além da cozinheira e governanta, e um motorista. O mordomo, Miguel, se tornou muito próximo de Clarice na mesma proporção com que Vito era engolido pelos negócios da família. Miguel era moreno claro, tinha mais ou menos 1.80 m, seu biotipo era magro, mas ele tinha muito vigor e disposição. Tinha uma belíssima voz e adorava cantar para o pequeno Vito.
Naquele momento indefinido de Clarice, no hiato vívido de seus olhos, Miguel entrou na sala.
- Aconteceu alguma coisa ?
E Clarice permanecia imóvel, com os olhos encharcados, e o pensamento emaranhado.
- Sra. Clarice ?, Miguel se aproximou. Ajoelhou ao lado da cadeira e tocou o braço dela. Ela então, olhou para Miguel e, sem dizer uma palavra, se jogou em seus braços, procurando o conforto que havia se dissipado com aquela carta.
Ele, sem saber muito bem o que fazer, retribuiu o abraço e colocou a mão sobre os cabelos de Clarice enquanto tentava acalmá-la.
- Sra. Clarice... quer me contar o que houve ?
Ela colocou a mão enfrente à boca e, tentando recuperar o fôlego, assentiu com a cabeça. Os dois então se sentaram na soleira da porta da varanda e começaram a conversar. Clarice se propôs a ler para ele a carta, que dizia, entre outras coisas:

"Vito,

(...) Depois do mês maravilhoso que passamos juntos, tenho certeza de que você é o amor da minha vida. Não vejo a hora de lhe ter somente para mim !
Quero dar-lhe tudo o que sua esposa não lhe dá, além de muitos filhos e toda a alegria que te falta... (...)
Te amo muito e te espero todo dia.

Um beijo,
da SUA Madalena"


Clarice, mais uma vez, ao ler aquelas palavras, se sentiu sem chão, sua realidade desabava perante seus olhos e pés. Seu olhar estava parado, seu rosto quente, úmido pelas lágrimas que lhe rolavam incessantemente e sua mão segurava a carta. Miguel pegou a carta, colocou-a de lado, e mais uma vez abraçou Clarice. Desta vez, ela olhou seu rosto e fitou-lhe os olhos pausadamente. Eles eram de um castanho profundo e intrigante, seu rosto tinha bonitos traços, quase delicados. Ela levou sua mão ao rosto dele e acariciou aquela pele morena, sem excessos, e depois, a boca, com lábios corteses e rosados, que abrigavam o sorriso mais bonito que Clarice já havia visto.
Miguel não se assustou, não a empurrou ou sequer parou-a. Ele nutria, guardado na mais profunda delicadeza de seu peito, um amor sem fim por ela. E ali, seu coração parou por um segundo. Nada parecia real enquanto Clarice tocou sua face, olhando em seus olhos.
Ele segurou a mão dela, beijou o dorso e então colocou-a sobre seu peito. Seu coração parecia ter cavalos selvagens querendo desbravar campinas sem impedimentos. Clarice sentiu o coração, mas logo retirou sua mão. Enxugou seu rosto e desviou seu olhar.
- Me desculpe..., disse ele, um pouco atordoado enquanto se levantava.
Clarice o olhou mais uma vez e, ainda sentada, segurou a mão dele antes que ele pudesse se afastar. Ela sorriu sem mostrar os dentes, mas demonstrando uma ternura infindável. Miguel se ajoelhou e beijou a mão dela mais uma vez, se levantou e foi para o seu quarto.
Era um pequeno cômodo, do lado de fora da casa, na parte de trás, com uma vista maravilhosa. Lá, ele jogou-se na cama e pensou em tudo o que acabara de presenciar. Não podia acreditar...
Clarice, enquanto isso, pensava no que fazer. Ela estava agora, no quarto do bebê, com a carta ainda na mão, digerindo tudo aquilo. Mas, ao mesmo tempo, aquele momento com Miguel não lhe saía da cabeça. Os olhos dele haviam ficado gravados nos dela, e ela não conseguia parar de pensar nele.

Saturday, July 25, 2009

No, not you


Sofia acordou-se com uma dor de cabeça que mais parecia um atropelamento craniano. Sinais... Sinais da última noite nada agradável. Colocou seus pés no chinelo com um discreto pompom rosado na frente e pôs-se a descer as escadas, pois já sentia o cheiro do café por todos os cômodos, e ela teria certeza que o mesmo aliviaria tal dor infernal. Sentou-se a mesa, de vista baixa, e cumprimentou:

- Bom dia, Dona Brunette...
- Bom dia, Sofia. - uma voz grossa respondeu. Sofia tremeu, levantou a vista que passava por sapatos pretos, um paletó risca de giz empoeirado e uma gravata vermelha. Era Giácomo Benneto, um dos piores inimigos de Michael. E Sofia sabia o que significava aquela gravata vermelha.
- Vendeta? - perguntou ela, desesperada.
- Se acalme, minha doçura... Eu não farei nada demais com você... Nada perto do que eu fiz com todos aqueles idiotas dos seus empregados... - e riu maliciosamente, com a xícara na mão, se aproximando de Sofia.
- E Michael? Onde está Michael? O que fez com ele? - sussurrou Sofia, em tom de desespero, ao ver, através da janela embaçada, todos os seus seguranças e serviçais mortos no jardim.
- É justamente isso que eu quero saber... Aonde está ele? - e Giácomo chegou tão perto, mas tão perto de Sofia, que a carregou e a colocou sentada em cima da mesa, abrindo-lhe as pernas - Diga, meu bebê. Aonde está aquele crápula do seu maridinho? - e, alisando suas, enconstou um punhal de prata rente à sua jugular, obrigando-a a ficar muda e paralisada. Com a mão esquerda alisava as coxas e acariciava a virilha de Sofia com o polegar. Ela estava pálida, trêmula, suada.
De repente, um tiro ecoou na Mansão Corleone. Sofia deu um berro que talvez pudesse se ouvir do outro lado da cidade. E Giácomo caiu ao chão, com uma bala tão bem cravada em sua cabeça, que ele mal poderia ter tido alguma reação. Era Michael, que correu desesperadamente na direção de sua esposa e a carregando no colo, a levou para o carro, engatou a marcha e acelerou.
- Me perdoe, Sofia. Me perdoe. Por tudo. - disse Michael com a expressão séria imutável de sua face, mas com lágrimas recheadas de culpa nos olhos - Aquele carcamano idiota ia te contaminar o útero e a alma em alguns minutos se eu não tivesse sido ágil. Me perdoe!
Sofia saiu do banco traseiro e pulou para o banco da frente, agarrando Michael e o beijando de uma forma tão desesperada, que mal reparou no exército de homens mortos em seu jardim. Aquilo era um perdão. Um perdão digno de Sofia Corleone.
- Eu te amo. - sussurrou Michael, ainda ofegando, e, por um milagre, esboçando um sorriso terno nos lábios, sem mostrar os dentes.
Ela o colocou entre seus seios e disse que jamais o deixaria. Nem em vida, nem em morte. Porque se, algum dia, ele a quisesse deixar, haveria de ser com um beijo. E pediu que se isso ocorresse, que levasse com ele a sua vida.

Wednesday, July 8, 2009

what were the chances?


Agora sim, Sofia estava decidida. Estava decidida à ter uma nova vida. Mas nem cogitava se separar de Michael. Não, seria pedir demais para ela. Então, passou a dedicar-se à boas leituras, boas noites de sono, boas conversas com o marido. Dedicou-se até a pensar em engravidar novamente. Dessa vez, Sofia não queria um filho por vaidade. Ela queria um filho por superação, e, sobretudo, por amor. Era só sentar-se no batente da porta, e, ao olhar para o jardim, ela via seu filho correndo, sorrindo. Ou então, antes de deitar, ela o via entrar pela porta pedindo para dormir entre ela e Michael, com medo. Sim, ela queria tudo isso. Queria ser mãe.
E foi tentando... Depois de algum tempo de abstinência, Sofia foi se aproximando cada vez mais de Michael, num misto de desejo, de carência e de vontade de engravidar. Eles passavam horas à fio se insinuando, mas algo sempre os impedia de chegar aos “finalmente”. Porém, de todos os empecilhos, talvez deles, o maior: A viagem inesperada de Michael à América, com fins meramente lucrativos, segundo ele.
E foram semanas sozinha, até a data em que Michael prometeu voltar. Já se aproximava da hora dele chegar, e o telefone tocou. Sofia sempre detestava atender telefonemas sozinha, mas teve de faze-lo. Era Michael, se desculpando e alterando sua volta, alegando precisar ir à França, visitar um velho amigo exilado da Máfia. Ela precisava entender. E dessa visita ao amigo, Michael emendou para a Alemanha, e posteriormente para a Suécia. E três meses se passaram. Clarice estava intimamente ligada à Vito e a seu filho, não podendo, assim, atender às necessidades da amiga.
E em uma bela manhã de sol, ao se levantar, Sofia ouviu um barulho muito forte na sala. Desceu depressa as escadas. Era ele, que largava as malas, estafado de cansaço. Ela não disse uma só palavra. Correu na direção do marido, e o abraçou como nunca havia feito em seis anos de casamento.

- Senti saudades. – Disse ele, apertando-a ao peito.
- Uhum. – Exprimiu, quase que sem som, quase quem sem fôlego.

E levaram as malas para cima. E se amaram como nunca. Os gemidos de Sofia ecoavam pelo quarto. Foi lindo... Lindo!
Até que ela precisou arrumar as malas de volta para o guarda-roupa, separar roupa suja, etc. E foi arrumando as malas, com Michael adormecido, que encontrou uma calcinha. Estava preta, visivelmente suja da mais branca e prazerosa noite e com um bilhete mais do que íntimo.

“Michael, meu amor, obrigada por ter me feito tão feliz.”

Sofia ficou bestificada com o que viu e leu. E passou a vasculhar os bolsos das calças de Michael. Encontrou uma caixa de anel. Vazia. Era da mesma joalheria francesa que as alianças de seu casamento. E teve a reação mais ousada de toda sua vida. Abriu a gaveta, pegou sua tesoura de costura e picotou todas as roupas do marido. Raivosa, agressiva. Tomou um bom e belo banho, arrumou-se e foi até a cidade passear. Precisava de novos ares. Para seu infortúnio, Michael havia acordado, e ido atrás dela, através de informações dos empregados.
Ele a encontrou, a levou pra casa, e chegando lá, quis conversar.

- Eu preciso te esclarecer algumas coisas, Sofia...
- Uhum. – Dessa vez o som estava escasso por vontade própria.
- Eu tive sim uns casinhos, mas nada muito sério, e...
- Nada muito sério? – interrompeu – Michael, se dar um anel não é algo muito sério, eu realmente não sei o que estou fazendo casada com você há seis anos!
- Mas, Sofia, você não entende...
- Não, não entendo, Michael! Eu realmente não entendo!
- Você lembra do anel que você queria? Aquele, com esmeraldas cravejadas em ouro branco?
- Lembro.
- Então, eu o perdi no hotel. Fiz procuração, mas ninguém o encontrou. Me indenizaram no valor do anel e...
- E você trouxe a caixa de volta? HAHAHA Faça-me rir.
- Eu encontrei a caixa aberta, meu bem.
- Está bem. Eu vou fingir que acredito.

E Sofia subiu para o quarto, decepcionada. Michael ficou na sala, à espera do sono. Mas ele não vinha. Pôs-se, então, a olhar as fotos de seu casamento, da gravidez, de tudo... Terminou a noite ao lado de seu velho amigo copo, cheio de anseios e arrependimentos.
Isso mudaria em alguns dias...

Thursday, May 7, 2009

Mosaico

Num dia frio de Novembro, quando o inverno começava a mostrar-se presente, Clarice acordou sentindo-se estranhamente feliz.
Levantou-se da cama, como fazia todos os dias, abria as cortinas e chegava ao lado de Vito, acordando-o com um beijo. Ele então abria um sorriso com os olhos ainda cerrados e, quando não se levantava num impulso só, agarrava a esposa e os dois riam enquanto se amavam no começo do dia.
Mas aquele dia era diferente. Vito não agarrou Clarice, apenas abriu os olhos após o beijo que ela lhe dera e disse:
- Hoje é um dia especial.
- É mesmo? - disse Clarice, curiosa - Por que ?
- Não sei explicar. Estou sentindo algo diferente.
Ela, então, colocou seu robe de seda enquanto Vito se levantava. Desceram juntos as escadas de madeira nobre e foram para a mesa da copa, onde um café da manhã suntuoso era servido todas as manhãs.
Clarice não quis comer muito. Estava sem fome. Ao contrário de Vito, que devorava os pães, o bolo, sucos, café e leite.
- Nunca vi tanto apetite, meu Deus... - dizia ela, com um sorriso embasbacado.
Vito sorria com a boca cheia, como um típico italiano.
Depois do café, Clarice pensou em ligar para Sofia, mas antes de chegar ao telefone, sentiu uma dor estranha. Parou no mesmo lugar, colocou a mão esquerda na parede para segurar-se, pois não era uma dor comum. Era uma pontada. Algo que nunca havia sentido antes. Uma contração.
Seus 8 meses e meio de gravidez deixavam evidente o milagre da vida que em pouco tempo começaria por si só. E ali, entre a copa e o escritório, deu-se o aviso primeiro.
- Opa... - disse Clarice baixinho, conversando com o bebê - o que foi isso, han?
Sorriu mais uma vez e adiantou-se até o escritório. Ligou para Sofia que lhe atendeu prontamente.
- Oi, minha linda! Como vai? Sonhei com você essa noite...
- Vou bem e você? Sonhou? E foi bom?
- Claro que sim! Vi você com Vito nos braços... - disse Sofia num tom terno e quase angelical.
- Oun... Vito me disse que hoje era um dia especial. Que não sabia explicar, mas que sentia.
- É mesmo? Vito é cheio de "sentir" as coisas!
E as duas riram. Papearam mais um pouco e Clarice resolveu subir e tomar um banho.
Ao apoiar-se nos braços da cadeira para levantar-se, mais uma contração tomou-lhe os movimentos. E dessa vez, um pouco mais forte.
Ela começou a preocupar-se e então chamou pelo marido num estampido só:
- Vito!
Ele veio rápido, até meio correndo. Veio com os olhos ávidos por saber do que se tratava tal urgência.
- O que foi, Clarice?!
- Acho que chegou a hora - disse ela assustada.
- Hora? Que hora?
Clarice o olhou fixamente e ele logo entendeu.
- Meu Deus! - Vito foi até ela, a ajudou a levantar enquanto ela sentia a pressão de mais uma contração vindo de seu ventre.
- Aaaaaaaii!
Clarice cerrou os dentes procurando amenizar a dor, ou dissipá-la. Vito a levou para o quarto, tentou duas vezes discar algum número, mas tremia e sua cabeça não sabia em quê pensar. Discou o número do irmão de uma vez, sem nem pensar demais para lembrar a combinação. Michael atendeu.
- Alô?
- Michael!
- Vito?
- Michael, não sei o que fazer.. Clarice está com contrações... Estou tão nervoso.. não consigo me lembrar o telefone da parteira. Não consigo pensar direito, para falar a verdade. Mande Sofia pra cá.
- Calma, muita calma, meu irmão. Fique tranqüilo. Sofia chegará aí o mais rápido possível e eu ligarei para a parteira. Fique calmo.
- Obrigado, Mike. Obrigado!
E Vito desligou. Nem notou a frieza com que seu irmão havia se proposto a ajudar, ligando para a parteira e mandando Sofia acompanhar a amiga e cunhada.
Momentos de alegria e frustração se contrastavam numa mesma família, entre irmãos, em simples palavras.
Clarice soltou um grito assustando-se e assustando ao marido. Era um grito que vinha de dentro, muito dentro e que doía feliz e lindamente. Ambos se olharam e tentaram rir. Estavam nervosos. Vito deu a mão à esposa, beijou a aliança dela. Clarice apertava a mão do marido cada vez mais e ele permaneceu ao lado da cama, até que ouviu uma voz vindo do andar debaixo.
- Clarice? Vito?
Era Sofia, que chegara afoita em 20 minutos depois que Vito havia telefonado o irmão.
- Sofia chegou, meu amor - ele tentava acalmar a esposa.
E ela subiu as escadas o mais rápido que pôde.
- Clarice!
Correu até a cama, e do outro lado, beijou a testa da amiga, sorrindo-lhe. Àquela altura, as contrações de Clarice já haviam aumentado. Sua respiração ficava cada vez mais ofegante e o suor começava a escorrer por suas têmporas.
- Sofia.. – disse Clarice com os olhos cheios d’água.
- Shhhh.. fique quietinha, não pode se exaltar!
Sofia enxugou o suor da testa de Clarice, tirou seu tailleur marrom perfeitamente modelado em sua cintura fina, arregaçou as mangas da blusa branca e prendeu o cabelo, deixando alguns fios, milimetricamente, caírem sobre sua face.
35 minutos contados no relógio, por Vito, se passaram até que a parteira tocasse a campainha da casa. Ele, então, desceu correndo e quase caiu ao chegar perto da porta. A empregada havia encerado demais o chão, o deixando escorregadio. Vito se agarrou à maçaneta e abriu a porta.
- Já era em tempo!
E arrastou a parteira para o quarto nem mesmo vendo que ela havia trazido sua filha mais nova para ajudá-la.
Chegando no andar de cima, Clarice viu aquela mulher entrar com a menina no quarto e seus olhos ficaram maiores, numa expressão de medo e nervosismo, não entendendo muito bem o que se sucederia ali.
Sofia cumprimentou a parteira e esta foi tirando seu chapéu e seu casaco. Os deixou em cima da cadeira, em frente à penteadeira.
A menina chegou perto de Clarice e encantou-se com seu rosto. Deu um beijo na bochecha dela e disse, calmamente:
- Não precisa ter medo. Já já vai ficar tudo bem.
Sorriu mostrando a falta do dente da frente e a inocência de seus 7 anos.
- Vamos trazer este menino ao mundo então?! – disse a parteira abrindo um sorriso hilariante, que fazia suas bochechas quase cobrirem os olhos.
Ela era uma mulher grande, com mãos grandes e profundos olhos azuis. Seus cabelos eram grisalhos e suas bochechas vermelhas. Era uma figura adorável, o que acalmou Clarice.
- Você tem cheiro de amaciante...
E a mulher soltou uma gargalhada, fazendo Clarice sorrir e olhar para Sofia, que também ria.
- Você é o que dela ? – perguntou à amiga.
- Sou cunhada e a melhor amiga...
- Han.. tudo bem. Pode ficar para ajudar. Mas, talvez seja melhor o pai esperar lá fora.
Vito parecia concentrado em fitar o chão, sentado na poltrona felpuda ao lado da porta do closet, quando a parteira lhe dirigiu a palavra.
- Hein? Ah, claro!
Ele foi até a mulher, lhe deu um profundo beijo e saiu.
A porta do quarto se fechou e Vito resolveu sentar-se ao lado dela. Clarice então, sentiu a contração mais forte em todas as que já haviam lhe acontecido. Agora os espaços entre cada contração diminuíam e seu coração batia forte. Ela se perguntava se tudo correria bem, se ela viveria para ver o filho, se ele estava bem, se Vito estava bem ou gastando o carpete do corredor, andando de um lado para o outro... Era um turbilhão de idéias.
A parteira foi muito educada e delicada com Clarice. Tinha percebido o medo dela.
Sentiu a dilatação em seu ventre e disse:
- É... a hora chegou. Vamos fazer força, Clarice.
A filha dela molhava pedaços de pano e passava sobre o rosto de Clarice. Sofia segurou mais forte a mão da amiga.
- Força, Clarice.. força!
E começou a contar 10 segundos quando ela fazia força. A parteira contava junto e observava como as coisas corriam com Clarice.
- Mais força, menina, mais força...
E ela fazia mais força, até quase desfalecer.
A filha da parteira deu uma mão para que ela segurasse e ali ficou, ao lado dela, dando força como podia.
- Me desculpe se eu apertar sua mão muito forte, tá? – disse Clarice esboçando um sorriso à menina.
- Não tem problema... – disse ela também sorrindo.
E mais uma contração tomou o sorriso de Clarice. Dessa vez, ela gritou mais alto e clamou:
- Pelo amor de Deus, acabe com isso!!
Ela mordia os lábios, levava sua cabeça para trás e esperava a cada momento, que a dor passasse.
- Agora você vai fazer uma força bem grande, tudo bem? Ele está vindo... – disse a parteira.
Ela e Sofia balançavam a cabeça afirmativamente como se recebessem ordens de um superior.
As duas se olharam e assentiram com a cabeça, determinando o momento certo para começar a “grande força”.
- 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10, continue fazendo força, Clarice, ele está saindo!
E ela continuou a fazer força, e força, e mais força, até que todas dentro do quarto silenciaram-se ao ouvirem uma nova voz.
Uma voz que gritava, avisando que havia chegado. Uma voz que vinha de um ser pequeno e novo, inocente e indefeso. A voz do bebê de Clarice se fazia presente e forte. Ele havia chegado.
Vito estava sentado no corredor, com a cabeça apoiada nos joelhos flexionados. Num movimento brusco, levantou a cabeça e se pôs de pé. Pegou na maçaneta da porta e então a abriu.
Não via nada mais. Via Clarice apenas, e seu filho, enrolado num pano branco, no colo dela. Via eles se olharem, se admirarem, se apresentarem.
Ela tinha seu dedo indicador dentro da pequena mão do bebê. Ele segurava seu dedo com vivacidade, como se trocasse um aperto de mão em um importante negócio.
Vito sentiu seu rosto esquentar e seus olhos ficarem embaçados, cheios d’água. Ele perdeu a respiração por um momento e foi indo lentamente até a cama. Sentou-se ao lado da esposa e beijou-lhe apaixonadamente, olhando em seguida para o bebê.
- Vito... mio piccolo bambino... mio bambino... – disse o pai, admirado com aquela criaturinha de olhos curiosos.
Ele pegou o filho no colo e levantou-se da cama. Foi até janela e admirou o rosto parecido com o seu. Os mesmos olhos castanhos, o mesmo queixo.
- Ele tem seus lábios, Clarice...
E ela sorriu quase involuntariamente, mas deixando lágrimas correrem pelo seu rosto, misturando-se ao suor de um trabalho de parto sofrido.
Sofia estava sentada na poltrona em que Vito havia se sentado antes de sair do quarto. Ela respirava pausadamente. Sua vida passava por sua cabeça. Todos os momentos. Tudo.
Clarice olhou para a amiga e tentou entender e desvendar o que se passava.
- Sofia...? – chamou com a voz doce e suave.
- Hum?
- Venha cá. Não quer pegar seu afilhado no colo?
- Claro... claro. – fechou os olhos e levantou-se, abrindo-os.
Ela foi até Vito e, com o queixo em seu ombro esquerdo, disse baixinho:
- Deixe eu cumprimentar meu afilhado, papai. Não monopolize...
E os dois riram.
Vito passou o filho com todo o cuidado possível e impossível e Sofia finalmente o tomou nos braços. Ficou paralisada e imaginou-se no lugar de Clarice.
Ela abraçou o bebê, tomando cuidado para não sufocá-lo (demais). Segurou-o de frente para si e disse:
- Você é lindo. E eu te amo. Ouviu? – disse sorrindo.
A parteira havia limpado tudo e Vito estava abraçado à mulher. A menina, filha, já na porta, olhou para Clarice, que a olhou de volta. Ela voltou correndo e deu um demorado beijo na testa de Clarice, que retribuiu o gesto e disse:
- Até mais, lindinha – deu uma piscadela sorrindo.
Então, mãe e filha foram embora e agora, a vida começava.

Sunday, May 3, 2009

Para desencargo (ou mais encargo ainda) de consciência...

Estava frio, e Sofia acordou no meio da noite, com uma sensação estranha. Andou, andou, e começou a sentir a calcinha molhada, como se estivesse 'naqueles dias', o que lhe era estranho, e bem improvável, já que ela mal enxergava os pés com aquela barriga de duros sete meses. Correu para o banheiro, e aquela mancha pequena e ainda fresca de sangue na roupa íntima a intrigou. Tentou ligar para o médico, mas foi mal sucedida. Foi então, que pôs-se a procurar Michael pela casa. E lá estava ele naquele maldito escritório, assinando freneticamente uma bateria de papéis. Ao adentrar o templo de Michael, ela pisou com cuidado, como quem pisa num chão crivado de cacos. Eram os cacos da noite passada, quando discutiram aos berros sobre a vida que estavam levando um ao lado do outro. Quase se juraram de morte, até o pequeno 'Michael' entrou no mérito desta palavra fétida. Mas já que não morreram, ela estava ali, sentindo como se seu filho estivesse para morrer.
- Michael? - disse ela, com os olhos fixos na janela.
- Sim? - respondeu, olhando para os papéis, fingindo não querer vê-la.
- Eu... estou sangrando... - e ela tentou olhar para ele, desesperada.
- Você está o quê? O quê, Sofia Vivaldi Corleone? - e ele se levantou, com os olhos arregalados, num misto de susto e ódio.
- Sangrando. Me ajude, por favor. - e as lágrimas contornavam seus olhos verdes, e caíam sobre sua pele aveludada, em direção à boca.
- O que você fez, sua infeliz? O que você fez com a nossa criança? - gritou.
- Eu não fiz nada, pelo amor de Deus!
- Não fale no nome de Deus! Ele não tem culpa de você ter matado o meu filho, como disse que faria.
- Você não pode acreditar nisso, Michael! - e foi cortada por um longo e duradouro tapa na face, trêmula.
- Aonde eu estava com a cabeça quando resolvi escolher você como mãe dos meus filhos? Porca miséria! - e começou a esbofeteá-la, odioso, sedento de vingança.
E foram minutos à fio de tortura, até largá-la num canto obscuro, desacordada. Neste exato momento, o sangue começou a escorrer por suas pernas e encharcar o carpete azul. Michael, olhando, se viu encurralado, arrependido. Correu e chamou por Clarice, que na época estava morando com Vito em sua casa, enquanto reformava a sua. Clarice e Vito correram, e ao ver Sofia naquele estado, pasmaram.
- Mas que diabos você fez com ela? - berrou Clarice, como se um punhal tivesse sindo enfincado em seu seio.
- Michael, como você pôde? Precisamos levá-la ao hospital agora! - exclamou Vito, demasiadamente desapontado com o irmão. E desceu as escadas correndo, pôs o casaco, e ligou o carro, enquanto Michael e Clarice carregavam Sofia, com a camisola branca tingida de um vermelho quente e doloroso. Estava tão inchada, que nem os olhos era capaz de abrir.
E ao hospital a levaram... Michael sapateava tanto no corredor, que quase desgastou todo o assoalho. Já era tarde, até que o médico saiu da sala de cirurgia, e tocou o ombro de Michael.
- Meus pêsames. - e partiu, em direção ao infinito escuro, que supostamente seria a ala médica.
Michael pôs os pés para dentro do quarto, onde já estava Clarice com um terço, rezando. Olhou nitidamente para a cama, e preferia não ter olhado. Sofia estava com a pela arroxeada, arranhada, cortada. Sem a barriga. Sedada. Não havia berço ao lado da cama dela. O bebê havia morrido.
Vito assombreou o irmão, adentrando o quarto quase que no mesmo momento. Abaixou a cabeça, chocado. Michael foi até os pés da cama e arrancou o laudo médico. Nele constavam as seguintes palavras que Michael jamais esquecerá:
"Constata-se que houve aborto espontâneo através de morte cerebral fetal, em decorrência dos ferimentos sofridos pela mãe, a paciente Sofia Vivaldi Corleone. Vale relevar que o sangramento notado antes, não passava de uma disfunção hormonal presente na mesma."
Ele saiu daquele quarto, e o irmão foi atrás, sabendo que ele seria capaz de cometer uma sandice.
E foi dito e feito, Michael arrancou o canivete de dentro do bolso, e, correndo, o abriu, e o levou bem perto da jugular. Foi interrompido.
Longos meses assombrariam a mansão Corleone desde aquela data. Até que se passasse um ano, Michael não tocaria em Sofia, nem falaria de filhos. Mesmo que tivesse que tocar outras mulheres... Sofia permaneceu intacta, como uma santa moderna, quase que guardada numa caixa de louça. A cama também permanecia intacta. Digna só de um fraco 'boa noite', como quem vive para não viver.
E então... para desencargo, ou mais encargo ainda?

O outro lado...




Para Clarice e Vito

Clarice despediu-se de Sofia ainda com um sorriso nos lábios. As duas foram até a porta e Clarice foi para o carro, onde Vito a esperava. Ela abriu a porta, colocou a bolsa na banco de trás e sentou-se com cuidado ao lado do marido.
Antes que ela fechasse a porta, ele pegou sua mão esquerda e beijou. Ela ficou parada, admirando a cena e lançou um olhar terno ao rosto do marido. Vito acariciou seu rosto e se aproximou, dando um lento e apaixonado beijo na esposa.
- Nossa... mas, quanto amor! - Clarice disse rindo.
- Você nem imagina! - respondeu o marido, também rindo.
Ele abaixou-se um pouco e deu um beijo na barriga, segurando-a com as duas mãos.
- E o garoto? Te deu muito trabalho hoje?
- Que nada... deu alguns chutes para avisar que está quase chegando, mas nada de incomum.
- Que bom, que bom - disse ele, ligando o carro e saindo.
Vito as vezes conservava um olhar distante e feições mais sérias, o que deixava Clarice sem saber como agir. Ele sempre ficava muito pensativo quando não falava e o silêncio tétrico, rompido somente pelo motor do carro, tomava conta do casal.
- Vito, meu amor... o que foi ? Sempre que venho ver a Sofia, você fica quieto na volta para casa. Preciso saber o que tanto te atormenta!
E ainda assim, ele não emitiu som algum.
Chegaram em casa, ele parou o carro, pegou a bolsa de Clarice no banco de trás e ficou esperando-a descer. Ela foi caminhando em direção a entrada, ao lado do marido.
A porta se abriu, os dois entraram, e Vito a fechou firmemente.
- Michael.
Clarice tirava o cachecol e seu bonito chapéu azul marinho quando ouviu Vito pronunciar o nome do irmão. Ficou sem entender e, então perguntou enquanto colocava suas luvas sobre o aparador:
- Michael? O que tem ele, Vito? - fitou o rosto cabisbaixo do marido que ainda estava com a mão na maçaneta da porta - Vito!
- Ah, Clarice! - exclamou o marido, levantando a cabeça e indo abraçá-la com força e os olhos fechados.
- O que foi, meu Deus? O que aconteceu? - ela perguntava sem entender muita coisa.
Vito então a levou à sala e enquanto se servia de uma dose de whisky, foi dizendo:
- Não gosto como ele olha para você. Sempre parece que ele tem alguma coisa em mente, que se relaciona a você. Você, você, você.
Clarice, ainda atônita com a declaração do marido, tentava balbuciar alguma coisa para acalmá-lo:
- Vito.. mas..eu não..
Ela respirou fundo e se levantou. Foi em direção a Vito e pegando a mão esquerda dele, pediu:
- Olhe pra mim.
Ele levantou o rosto e fitou os olhos de Clarice.
- Sabe porque você e eu usamos essas alianças? Han? Porque nos amamos, Vito. Não há parentes, não há Sofia, nem Michael, nem ninguém que possa mudar isso.
Sem tirar os olhos dos do marido, Clarice colocou a mão dele em sua barriga.
- Sente? Consegue sentir essa vidinha aqui dentro?
Vito assentiu com a cabeça e respirou fundo. Segurou o rosto da mulher com delicadeza e beijou-lhe o todo o rosto.
- Não sei o que aconteceria se eu te perdesse.
Clarice, com os olhos fechados, sentindo os beijos do marido, abriu um sorriso leve e inocente. Vito encostou sua testa na dela e ficaram se olhando daquela distância.
- Eu simplesmente não sei amar ninguém sem ser você.
- Eu te amo, Vito. Te amo - e ela o beijou com todo o amor que possuía mais o que ele lhe dava, e ele a abraçou por trás, acomodando sua cabeça no ombro esquerdo dela, sentindo o cheiro de seu perfume.
Os dois foram assim pela sala, subindo as escadas e chegando até o quarto. Lá, ele a deitou na cama, tirou seus sapatos e delicadamente passou sua mão por toda a pele dela.
Vito era um homem muito passional. Era firme em suas escolhas, decisões, e atitudes, mas era movido pela paixão. Com Clarice, não era diferente. Ele era completamente apaixonado por ela, mas o medo de perdê-la e o seu ciúme só não o consumiam porque ela mesma o fazia botar os pés no chão.



Para Sofia e Michael

Sofia trancou a longa porta de mármore, e subiu para o quarto. Arrumou as colchas da cama, e também os travesseiros, na posição que Michael gostava. Trocou seu vestido por um lindo baby-doll longo, dourado. E colocou um roby para transitar pelos corredores. Saiu do quarto e foi em direção ao escritório, onde Michael estava.
- Michael? Eu já estou indo dormir, você não vem? – e adentrou a enorme sala, carregada de papéis e lustres, onde ele tragava um charuto na janela.
- Já estou indo, Sofia. Só vou esperar acabar meu charuto. – Sofia surgia por trás de Michael, e o amaciava os ombros.
- Me desculpe por hoje. – disse ela, baixinho.
- Não fale mais disso, por favor. – e ele se virou, jogou o charuto pela janela e a brindou com um longo beijo, massageando sua nuca, enquanto as mãos suaves e pequenas de Sofia repousavam sobre seu peito.
Os dois andaram em direção ao quarto abraçando-se e trocando carinhos, deslizando as mãos pelos corpos amados, querendo sentir os batimentos cardíacos um do outro, pele com pele.
E se amaram intensamente... Michael era tão carinhoso, que Sofia quase nem se esforçava, ficava só no deleite de seus braços, sendo velada por um homem forte, por dentro e por fora. Os lençóis eram de linho, e a cama ficou pequena. Dormiram no gozo quase que eterno de um amor que rompe as fronteiras das palavras, dos sussurros, dos gemidos... Dormiram na esperança de um novo acordar.
Mas uma hora o sol teria de invadir – mesmo que pelas fendas – aquelas cortinas de veludo vermelho com bordados dourados. Michael se levanta, coloca um roupão atoalhado vermelho, e anda pelo quarto, sorridente. Aproxima-se de Sofia, e a beija delicadamente, acordando-a.
- Bom dia, meu amor! – diz ela, brandamente, enquanto enche Michael de beijos – Você não vai trabalhar hoje, vai?
- Preciso... Tenho muitos negócios a tratar no escritório central e Vito já está a me esperar, meu bem.
- Hum... Você poderia ao menos tomar café comigo? – disse Sofia, gargalhando enquanto mordia o queixo de Michael.
- Posso. Claro que posso. – sorriu ele.
Desceram as escadas até a cozinha, onde a tia de Michael servia o café.
- Bom dia, tia Margarida!
- Buonno, Michael!
E eram quitutes que rolavam de um lado a outro da mesa, um servindo a boca do outro, e complementando tudo isso com beijos e carinhos. O suco não tinha gosto. Eles preferiam a doce saliva quente, que os lembrava da noite que tinham passado e do resto dos dias que iriam passar. Não haveria mais dor. Nem culpa. Eles decidiram ir adiante sem olhar para trás. Mesmo que Michael continuasse olhando para os lados...